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sábado, 10 de dezembro de 2011

Unifesp , treininho. Violência doméstica

Matricídio e parricídio: o outro ladoNem sempre episódios fatais de violência doméstica são de autoria dos pais de crianças. Existem também casos em que elas exercem o papel de vitimizadoras. As causas de tais episódios são diversas e incluem maus tratos cometidos pelos pais, como aponta o artigo Fatores de parricídio: desconto do uso de síndrome da criança espancada como uma defesa, publicado em 2003 na revista Aggression and Violent Behavior. De acordo com o artigo, crianças que matam o pai podem ser mentalmente doentes ou perigosamente sociais, mas costumam ser severamente abusadas. No entanto, isso não é uma regra: na verdade, crianças só cometem assassinatos quando membros da família falharam ao ajudá-las.
As motivações dos filhos variam conforme a faixa etária do assassino. Os crimes cometidos por adolescentes são mais freqüentes. Segundo o texto, isso aconteceria por serem "menos vividos que adultos e não saberem como lidar com suas situações". Entre os adultos, predominam casos de desordem mental, especialmente esquizofrenia, que afeta a capacidade de discernimento e distorce pensamentos. "É raro que eles matem um pai em retaliação ao abuso. Geralmente, têm recursos e escolhas que os permitem administrar a situação da qual não gostam", diz o texto. Enquanto esses são mais propensos a utilizar facas e objetos pontudos, adolescentes dão preferência a armas de fogo (pois não têm condições de dominar a vítima) e cometem o homicídio quando o pai está dormindo, vendo televisão ou em uma posição não agressiva. Já os matricídios são conseqüência de uma relação patológica de simbiose entre a mãe e seu filho, como relata o estudo Matricídio: um casoparadigmático em violência doméstica, veiculado no International Journal of Offender, em 2000. O artigo relata que, na maioria dos casos, a mãe pode estar psicótica ou sofrer de personalidade narcísica ou Borderline. Isso faria expressar seu estado inconscientemente, via projeção, para a criança que, por sua vez, não tem suas fronteiras de Ego bem estabelecidas, mantendo uma relação de dependência.
A mãe - que não pode estabelecer claras fronteiras para o Ego que a criança procura ou que não pode tornar-se um modelo apropriado de um objeto de amor - assume uma atitude de castigo em relação à criança, criando uma relação patológica. Dessa maneira, a criança introjeta imagens "ruins" tanto dela mesma como da mãe, que continuam fundidas e resultam em uma estrutura psíquica pobremente diferenciada. Esse estágio de dependência desperta ódio e raiva na criança. "Por um lado, ela deseja matar a mãe para retirar toda a sua autonomia e identidade. Por outro, deseja fundir-se com a mãe para prevenir o total abandono que ela teme. O que começou como um conflito interpessoal é agora transferido para a esfera intrapsíquica", diz o artigo.

FALTA DE LIMITES 
Os fatores que podem levar parentes próximos a agredirem e, em última instância, matarem crianças e adolescentes são diversos. Para Teresa Haudenschild, membro da Federação Brasileira de Psicanálise e especialista em infância e adolescência, o problema é transgeracional e originado pelos avós da criança agredida. "Eles erraram ao não impor limites aos filhos e deixá-los fazer apenas o que querem. Com isso, essas crianças desenvolveram uma conduta narcísica. Pensam apenas em si mesmas, não se colocam no lugar do outro nem toleram frustrações. São adultos infantis", opina.
Sendo assim, segundo a psicanalista, tais indivíduos seriam regidos pelo que Freud chama de "princípio de prazer": vivem em um mundo idealizado, onde fazem apenas o que gostam e esperam que as outras pessoas façam o mesmo por eles. Na opinião de Teresa Haudenschild, tal comportamento é determinado pela "sociedade de prazer e consumo vigente na contemporaneidade, na qual o valor do indivíduo é ditado pelo que ele consome". Ela afirma que "há uma identidade falsa, que não está associada a um crescimento psíquico. Os pais presenteiam os filhos com brinquedos, mas nem sempre lhes dão atenção e transmitem valores saudáveis. Por isso, quando as crianças viram pais, ainda são infantis e não têm condições de educar os filhos. Quando se rivalizam com eles, usam a força para impor a vontade", justifica.

Violência sexual: a definição varia conforme o código criminal de um lugar. Em alguns lugares, a identificação requer que a criança tenha menos de 14 anos; em outras, esse limite é maior. Também existem variações em relação à idade do agressor. De acordo com o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves), da Fiocruz, tal crime seria: "Todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossocial mais adiantado que a criança ou o adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter satisfação sexual. Essas práticas eróticas são impostas pela violência física, ameaça ou indução de sua vontade"

A pediatra Ana Lúcia lembra que há outra medida importante para a recuperação do agressor: conscientização acerca de cuidados na educação. De acordo com ela, muitos ciclos de violência, atendidos no Núcleo de Atenção à Criança Vítima de Violência, onde trabalha, são interrompidos por meio de esclarecimento. "Várias mães agridem filhos por desconhecerem a fase de desenvolvimento da criança. Lembro de uma menina que chegou com a genitália queimada por isqueiro porque urinou na roupa e o padrasto já havia pedido para que ela não fizesse aquilo. No entanto, a atitude era normal para ela, uma criança de dois anos de idade."
Na opinião de Suely Deslandes, para que homicídios de criança por violência familiar sejam evitados, é necessário promover divulgações em curto, médio e longo prazos das diferentes formas de maus tratos e procurar dar suporte a grupos de risco. "Uma experiência internacional que tem se mostrado eficaz em comunidades é identificar pessoas que sejam referência positiva no cuidado com os filhos e utilizá-las como apoiadores, como contraponto de pais em situações de crise", lembra. Para Lauro Monteiro, a única maneira de combater de forma eficaz a violência intrafamiliar é sair de um estado de luto - marcado pelo reconhecimento da perda - para a fase da aceitação, marcada por um desejo de lutar para tornar a realidade melhor. "Precisamos reconhecer que ela existe e combatê-la, em primeiro lugar, mediante denúncia. O trabalho mais árduo, mais básico, será mudar o comportamento de uma sociedade que, ao longo dos anos, acostumou-se na prática da negligência e da violência contra seus filhos", afirma.

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