RESPONDAM: POR QUE OS TEXTOS SÃO CRÔNICAS?
PODEM LER TUDINHO. RISQUEM, RABISQUEM, PINTEM COM CORES OS TRECHOS QUE MAIS CARACTERIZAM A CRÔNICA.ESCOLHAM UMA DELAS E ESCREVAM A SUA CRÔNICA. VALE PARAFRASEAR UM POUCO O QUE LERAM.É PARA APRENDER.
1 A nova era na roda do chope JOÃO UBALDO RIBEIRO
O ESTADÃO - 31/07/11
Tou te achando muito quietinho, ultimamente, muito caladinho… Não pode ser só o Botafogo. Todo caladinho, sem dar palpite em nada…
- Não tem nada disso, cara, tu tá querendo é me provocar, eu estou a mesma coisa de sempre. É que aqui nessa mesa só sai besteira e não é sempre que eu estou disposto a dar palpite em besteira.
- Deixa de ser cara de pau, aqui nesta mesa um dos que mais falam é você, os outros tu pode enganar, a mim tu não engana. Responde com toda a honestidade, sem subterfúgio nem meias palavras, é a presidenta, não é? Só dá pra falar bem dela e aí tu cala a boca. Eu te manjo, cara.
- Você quer dizer "a presidente". Eu me recuso a usar esse barbarismo.
- Já está no dicionário e é como ela prefere, até nisso tu tem má vontade. Mas eu não quero discutir gramática, quero discutir fatos concretos. A faxina que ela está fazendo no Ministério dos Transportes, somente isso.
- Ela demitiu uns caras, eu li.
- Demitiu uns caras? Já rodaram bem uns 20 e você diz "uns caras"? Uma faxina desse porte?
- Não sei o que é que você quer dizer com "desse porte". Nesse ritmo cata-piolho, ela não dá conta nem de uma ala do ministério antes do fim do mandato. Tinha que fazer era fumigação total e na máquina toda, ministério por ministério, repartição por repartição. O governo ia ficar bastante desfalcado, mas só fumigar é que dá jeito, catar piolho não vai levar a nada.
- É impressionante como os caras como você ficam insatisfeitos, por mais que se faça.
- Já eu acho impressionante como os caras como você ficam satisfeitos, por menos que se faça. Houve as demissões e está tudo bem, não é isso? Ela fez as demissões por quê?
- Ora, por quê. Porque todo mundo sabe que os caras estão envolvidos com os esquemas de corrupção do ministério. Aliás supostamente envolvidos, hoje a gente tem que ter cuidado com o que fala. Sim, os caras são suspeitos disso. E então? Ela foi lá e demitiu.
- Era pra condecorar? Se ela demitiu, foi porque sabia de alguma coisa. Ou de muitas coisas, senão não ia demitir. E aí eles, castigados pela demissão, vão ter que ficar mais ricos montando consultorias, triste exílio para quem trabalhou no governo. Eu tenho a impressão de que até o homem do cafezinho dos palácios vai abrir consultoria para futuros homens do cafezinho, muitos deles ganham bem mais que um professor, você sabia?
- Bem, eu não li nada sobre o assunto, mas é claro que, se houver indícios de irregularidades contra os demitidos, eles serão investigados e…
- …E, se considerados culpados, serão condenados, devolverão o que ganharam ilicitamente e assim por diante. É isso que você quer que eu comente, não é? Não era melhor a gente comentar o enredo completo da Bela Adormecida, não? Ninguém merece. O cara chega aqui no domingo, para beber um chope sossegado com os amigos e esfriar a cabeça e aparece logo um mané que quer ser enrolado novamente e não se cansa nunca de ser enrolado. Vê se te manca, cara, qual é a tua, com esses papos que são sempre a mesma coisa, embora querendo mostrar outra cara. Não mudou nada! Aliás, minto. Manda a honestidade eu reconhecer que ela demite e ele não demitia. Ele deixava estatizado mesmo, ela prefere privatizar. Bonita diferença. Fica tudo como era antes, com essa diferença de estilo, que sem dúvida marcará a história da República: um não demitia, a outra demitia; e ambos permitiam.
- Você está sendo sarcástico, assim não dá para conversar. Você é desses caras que se recusa a ver que as coisas estão melhorando. Isso não é bom, acaba se voltando contra a própria pessoa. Eu não, eu observo tudo com otimismo. Otimismo equilibrado, mas otimismo. Você não tem acompanhado esse movimento da busca da felicidade, tem? Agora tem um movimento da busca da felicidade. Já era estabelecido na Declaração da Independência americana, vai ser estabelecido entre os direitos humanos nas Nações Unidas e na nossa Constituição. De agora em diante, todo ser humano tem direito nato à busca pela felicidade.
- Vai estar na lei?
- No Brasil, provavelmente.
- Ah, então será criada a Agência Nacional da Felicidade, com delegacias em todo o território brasileiro. E aí, depois de muita discussão, se estabelece o Padrão Nacional de Felicidade, em que se tentará enquadrar todos os cidadãos, sem distinção. E fazer o teste da felicidade será como o voto atualmente: é um direito, mas também uma obrigação, todo mundo vai ter que fazer. Quem for reprovado no teste, recebe uma Bolsa Felicidade de seis meses, após o que faz novo teste. Se reprovado outra vez, será incluído no Cadastro Nacional de Brasileiros e Brasileiras Infelizes, tido como doente e obrigado a submeter-se a tratamento em clínicas públicas ou credenciadas. E, enquanto não dispuserem de seus atestados de felicidade, o brasileiro e a brasileira não poderão tirar passaporte, candidatar-se a cargo eletivo, comprar casa própria e assim por diante.
- Você sempre vê tudo dessa maneira descrente e debochada.
- É o hábito, eu moro aqui há mais de 60 anos.
- Mas não vai ser nada como você está pensando.
- Eu sei, vai ser pior. Eu também sou otimista.
Tou te achando muito quietinho, ultimamente, muito caladinho… Não pode ser só o Botafogo. Todo caladinho, sem dar palpite em nada…
- Não tem nada disso, cara, tu tá querendo é me provocar, eu estou a mesma coisa de sempre. É que aqui nessa mesa só sai besteira e não é sempre que eu estou disposto a dar palpite em besteira.
- Deixa de ser cara de pau, aqui nesta mesa um dos que mais falam é você, os outros tu pode enganar, a mim tu não engana. Responde com toda a honestidade, sem subterfúgio nem meias palavras, é a presidenta, não é? Só dá pra falar bem dela e aí tu cala a boca. Eu te manjo, cara.
- Você quer dizer "a presidente". Eu me recuso a usar esse barbarismo.
- Já está no dicionário e é como ela prefere, até nisso tu tem má vontade. Mas eu não quero discutir gramática, quero discutir fatos concretos. A faxina que ela está fazendo no Ministério dos Transportes, somente isso.
- Ela demitiu uns caras, eu li.
- Demitiu uns caras? Já rodaram bem uns 20 e você diz "uns caras"? Uma faxina desse porte?
- Não sei o que é que você quer dizer com "desse porte". Nesse ritmo cata-piolho, ela não dá conta nem de uma ala do ministério antes do fim do mandato. Tinha que fazer era fumigação total e na máquina toda, ministério por ministério, repartição por repartição. O governo ia ficar bastante desfalcado, mas só fumigar é que dá jeito, catar piolho não vai levar a nada.
- É impressionante como os caras como você ficam insatisfeitos, por mais que se faça.
- Já eu acho impressionante como os caras como você ficam satisfeitos, por menos que se faça. Houve as demissões e está tudo bem, não é isso? Ela fez as demissões por quê?
- Ora, por quê. Porque todo mundo sabe que os caras estão envolvidos com os esquemas de corrupção do ministério. Aliás supostamente envolvidos, hoje a gente tem que ter cuidado com o que fala. Sim, os caras são suspeitos disso. E então? Ela foi lá e demitiu.
- Era pra condecorar? Se ela demitiu, foi porque sabia de alguma coisa. Ou de muitas coisas, senão não ia demitir. E aí eles, castigados pela demissão, vão ter que ficar mais ricos montando consultorias, triste exílio para quem trabalhou no governo. Eu tenho a impressão de que até o homem do cafezinho dos palácios vai abrir consultoria para futuros homens do cafezinho, muitos deles ganham bem mais que um professor, você sabia?
- Bem, eu não li nada sobre o assunto, mas é claro que, se houver indícios de irregularidades contra os demitidos, eles serão investigados e…
- …E, se considerados culpados, serão condenados, devolverão o que ganharam ilicitamente e assim por diante. É isso que você quer que eu comente, não é? Não era melhor a gente comentar o enredo completo da Bela Adormecida, não? Ninguém merece. O cara chega aqui no domingo, para beber um chope sossegado com os amigos e esfriar a cabeça e aparece logo um mané que quer ser enrolado novamente e não se cansa nunca de ser enrolado. Vê se te manca, cara, qual é a tua, com esses papos que são sempre a mesma coisa, embora querendo mostrar outra cara. Não mudou nada! Aliás, minto. Manda a honestidade eu reconhecer que ela demite e ele não demitia. Ele deixava estatizado mesmo, ela prefere privatizar. Bonita diferença. Fica tudo como era antes, com essa diferença de estilo, que sem dúvida marcará a história da República: um não demitia, a outra demitia; e ambos permitiam.
- Você está sendo sarcástico, assim não dá para conversar. Você é desses caras que se recusa a ver que as coisas estão melhorando. Isso não é bom, acaba se voltando contra a própria pessoa. Eu não, eu observo tudo com otimismo. Otimismo equilibrado, mas otimismo. Você não tem acompanhado esse movimento da busca da felicidade, tem? Agora tem um movimento da busca da felicidade. Já era estabelecido na Declaração da Independência americana, vai ser estabelecido entre os direitos humanos nas Nações Unidas e na nossa Constituição. De agora em diante, todo ser humano tem direito nato à busca pela felicidade.
- Vai estar na lei?
- No Brasil, provavelmente.
- Ah, então será criada a Agência Nacional da Felicidade, com delegacias em todo o território brasileiro. E aí, depois de muita discussão, se estabelece o Padrão Nacional de Felicidade, em que se tentará enquadrar todos os cidadãos, sem distinção. E fazer o teste da felicidade será como o voto atualmente: é um direito, mas também uma obrigação, todo mundo vai ter que fazer. Quem for reprovado no teste, recebe uma Bolsa Felicidade de seis meses, após o que faz novo teste. Se reprovado outra vez, será incluído no Cadastro Nacional de Brasileiros e Brasileiras Infelizes, tido como doente e obrigado a submeter-se a tratamento em clínicas públicas ou credenciadas. E, enquanto não dispuserem de seus atestados de felicidade, o brasileiro e a brasileira não poderão tirar passaporte, candidatar-se a cargo eletivo, comprar casa própria e assim por diante.
- Você sempre vê tudo dessa maneira descrente e debochada.
- É o hábito, eu moro aqui há mais de 60 anos.
- Mas não vai ser nada como você está pensando.
- Eu sei, vai ser pior. Eu também sou otimista.
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2 Liberdade, oh, liberdade DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 31/07/11
Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, sem ninguém para reclamar
TODO MUNDO quer ser livre; a liberdade é o bem mais precioso, almejado por homens e mulheres de todas as idades, e a luta para conquistá-la começa bem cedo. Desde os primeiros meses de idade só se pensa em uma coisa: fazer apenas o que quer, na hora que quer, do jeito que quer.
Crianças de meses rejeitam a mamadeira de três em três horas, mas choram quando têm fome (só querem comer quando têm fome, o que é muito justo) e quando um pouco mais grandinhas, brigam para não vestir a roupa que a mãe escolheu.
Ficam loucas para ir sozinhas para o colégio, e quando chegam em casa além do horário previsto, ai de quem perguntar onde elas estiveram. "Por aí", é o que respondem, quando respondem -e as mães que enlouqueçam.
Quando adolescentes, as coisas pioram: querem a chave da casa (e a do carro), e quando começam a sair à noite e os pais tentam estabelecer uma hora para chegar, é guerra na certa, com as devidas consequências: quarto trancado, onde ninguém pode entrar nem para fazer uma arrumação básica.
Naquele território ninguém entra, pois é o único do qual ele se sente dono -portanto, livre. A partir dos 12 anos, o sonho de todos os adolescentes é morar num apart -sozinhos, claro.
Mas o tempo passa, vem um namoro mais sério, e quem ama não é -nem quer ser- livre (para que o outro também não seja). Dá para quem está namorando sumir por três dias? Claro que não. Se for passar o fim de semana na casa da avó, em outra cidade, vai ter que dar o número do telefone, e isso lá é liberdade? Os celulares permitem, pelo menos, que eles não atendam, já que sabem quem está ligando.
Aí um dia você começa a achar que para ser livre mesmo é preciso ser só; começa a se afastar de tudo e cancela o amor em sua vida, entre outras coisas. Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, resolve se o almoço vai ser um sanduíche ou nada, sem ninguém para reclamar da geladeira vazia, trocar o canal de televisão ou reclamar do fumacê no quarto. Ah, viver em total liberdade é a melhor coisa do mundo.
Mas a vida não é simples, e um dia você acorda pensando em mudar de casa; fica horas pesando os prós e contras, mas não consegue decidir se deve ou não. Pensa em refrescar a cabeça e ir ao cinema, mas fica na dúvida -enfrentar a fila, vale a pena? Vê a foto de uma modelo na revista e tem vontade de cortar o cabelo igual, mas será que deve?
Acaba não fazendo nada, e depois de tantos anos sem precisar dar satisfação da vida a ninguém, começa a sentir uma estranha nostalgia.
Como seria bom se tivesse alguém para dizer que é loucura fazer uma tatuagem; que aconselhasse a não trocar de carro agora -pra que, se o seu está tão bom?
Que mostrasse o quanto foi injusta com aquela amiga e precipitada quando largou o marido, o quanto foi rude com a faxineira por bobagem. Que falasse coisas que iam te irritar, desse conselhos que você ia seguir ou não, alguém com quem você pudesse brigar, que te atormentasse o juízo às vezes, para poder reclamar bastante. Alguém que dissesse o que deve ou não fazer, o que pode e o que não pode, e até mesmo te proibisse de alguma coisa.
E que às vezes notasse suas olheiras e falasse, de maneira firme, que você está muito magra e talvez exagerando na dieta; alguém que percebesse que faltando dez dias para o final do mês você só tem R$ 50 na carteira e perguntasse se você não está precisando de alguma coisa. E que dissesse sempre, em qualquer circunstância, "vai dar tudo certo".
Que falta faz um pai.
Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, sem ninguém para reclamar
TODO MUNDO quer ser livre; a liberdade é o bem mais precioso, almejado por homens e mulheres de todas as idades, e a luta para conquistá-la começa bem cedo. Desde os primeiros meses de idade só se pensa em uma coisa: fazer apenas o que quer, na hora que quer, do jeito que quer.
Crianças de meses rejeitam a mamadeira de três em três horas, mas choram quando têm fome (só querem comer quando têm fome, o que é muito justo) e quando um pouco mais grandinhas, brigam para não vestir a roupa que a mãe escolheu.
Ficam loucas para ir sozinhas para o colégio, e quando chegam em casa além do horário previsto, ai de quem perguntar onde elas estiveram. "Por aí", é o que respondem, quando respondem -e as mães que enlouqueçam.
Quando adolescentes, as coisas pioram: querem a chave da casa (e a do carro), e quando começam a sair à noite e os pais tentam estabelecer uma hora para chegar, é guerra na certa, com as devidas consequências: quarto trancado, onde ninguém pode entrar nem para fazer uma arrumação básica.
Naquele território ninguém entra, pois é o único do qual ele se sente dono -portanto, livre. A partir dos 12 anos, o sonho de todos os adolescentes é morar num apart -sozinhos, claro.
Mas o tempo passa, vem um namoro mais sério, e quem ama não é -nem quer ser- livre (para que o outro também não seja). Dá para quem está namorando sumir por três dias? Claro que não. Se for passar o fim de semana na casa da avó, em outra cidade, vai ter que dar o número do telefone, e isso lá é liberdade? Os celulares permitem, pelo menos, que eles não atendam, já que sabem quem está ligando.
Aí um dia você começa a achar que para ser livre mesmo é preciso ser só; começa a se afastar de tudo e cancela o amor em sua vida, entre outras coisas. Ah, que maravilha: vai aonde quer, volta na hora que bem entende, resolve se o almoço vai ser um sanduíche ou nada, sem ninguém para reclamar da geladeira vazia, trocar o canal de televisão ou reclamar do fumacê no quarto. Ah, viver em total liberdade é a melhor coisa do mundo.
Mas a vida não é simples, e um dia você acorda pensando em mudar de casa; fica horas pesando os prós e contras, mas não consegue decidir se deve ou não. Pensa em refrescar a cabeça e ir ao cinema, mas fica na dúvida -enfrentar a fila, vale a pena? Vê a foto de uma modelo na revista e tem vontade de cortar o cabelo igual, mas será que deve?
Acaba não fazendo nada, e depois de tantos anos sem precisar dar satisfação da vida a ninguém, começa a sentir uma estranha nostalgia.
Como seria bom se tivesse alguém para dizer que é loucura fazer uma tatuagem; que aconselhasse a não trocar de carro agora -pra que, se o seu está tão bom?
Que mostrasse o quanto foi injusta com aquela amiga e precipitada quando largou o marido, o quanto foi rude com a faxineira por bobagem. Que falasse coisas que iam te irritar, desse conselhos que você ia seguir ou não, alguém com quem você pudesse brigar, que te atormentasse o juízo às vezes, para poder reclamar bastante. Alguém que dissesse o que deve ou não fazer, o que pode e o que não pode, e até mesmo te proibisse de alguma coisa.
E que às vezes notasse suas olheiras e falasse, de maneira firme, que você está muito magra e talvez exagerando na dieta; alguém que percebesse que faltando dez dias para o final do mês você só tem R$ 50 na carteira e perguntasse se você não está precisando de alguma coisa. E que dissesse sempre, em qualquer circunstância, "vai dar tudo certo".
Que falta faz um pai.
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Crônica ou parábola? ROBERTO DaMATTA
O Estado de S.Paulo - 29/06/11
Quando dizem que a crônica é uma invenção brasileira, eu vejo meu amigo norte-americano Richard Moneygrand me garantindo que a pizza foi inventada em Chicago.
A globalização põe tudo entre parêntesis. Aquilo que os antropólogos antigos sabiam e nutriam como um segredo profissional - o fato de tudo o que é humano é em todo lugar reinventado, inclusive a noção do que é ser humano - foi desmascarado e, neste mundo onde viajar passou de aventura, turismo, exploração ou incumbência religiosa, política ou guerreira, a uma trivialidade. As viagens que o maior antropólogo do século passado, Claude Lévi-Strauss, no seu livro mais íntimo, Tristes Trópicos, diz paradoxalmente odiar na sua linha de abertura, não têm mais sentido hoje, quando todos estão em movimento, a maioria sem rumo ou bússola e - parece - não há mais o que descobrir. Demos a volta em torno de nós mesmos, percorrendo muitas vezes o globo ou a esfera terrestre. Mas continuamos esquecidos de que um mundo esférico não tem início ou fim. Ele é infinito e, num sentido especial, inesgotável. O ponto de partida acaba numa estranha fronteira: o próprio ponto de partida. Daí o axioma: se a pizza foi inventada em Chicago, a crônica é bíblica. E nós, brasileiros, dela gostamos porque preferimos os ensinamentos eternos mais do que as narrativas que ensinam "como fazer".
* * *
Quando cheguei, em 1963, ao famoso Departamento de Relações Sociais da Universidade de Harvard, onde ensinavam Talcott Parsons, Robert Bellah, Cora DuBois e George Homans, entre outros, esperava um prédio mais grandioso do que o do Museu Nacional de onde vinha e, no entanto, deparei-me com uma modesta (e decepcionante) casa de madeira. As tábuas da varandinha tremiam, apesar de minha sensação de estar em pleno ar. Hoje, visito pela internet os lugares aonde vou. Sei o que me espera e não tenho mais surpresas. Também não tenho mais um coração disparado por decepções. Eis uma das atrações das parábolas. Como nas anedotas, você pensa uma coisa e ocorre outra. Tal como faz o governo que tributa todos os produtos e não nos dá nada de volta. Retribuir o que se recebe é, sabiam os antigos, um belo projeto...
* * *
No livro Ardil 22, Joseph Heller fala de um certo coronel Cargill, marqueteiro convocado para a guerra, cuja especialidade era promover prejuízos em empresas que queriam pagar menos imposto de renda. Ou seja, o marketing de Cargill, ao contrário de alguns de nossos mais bem-sucedidos políticos - esses marqueteiros do povo pobre -, era vender fracasso num universo oficialmente marcado pela honestidade, pela competência e pelo progresso. Cargill perdia um tempo considerável planejando como fazer um empreendimento perder dinheiro para pagar menos imposto e multiplicava seu patrimônio porque, conforme se sabe, o fracasso - exceto, reitero, no submundo dos balcões que irmanam negócios e política no Brasil - não é fácil. Não é simples trilhar o caminho de cima para baixo. Ou seja: no tal "capitalismo avançado" e no mundo digital - armado em redes sem punho, onde balançamos todos solitariamente em frenética comunicação com um falso-outro que obedece à nossa vontade, podendo ser desligado (ou deletado) a nosso bel-prazer -, o fracasso deliberado pode ser o caminho do sucesso.
* * *
A biografia de Machado de Assis, esplendidamente reinventada por Daniel Piza, surpreende e se destaca pelos exemplos de um Machado nada alienado como um mulato precursor do politicamente correto (como seus críticos de "esquerda" cansaram de apontar e por isso não li Machado na faculdade). Escritor consciente do sentido da parábola, algumas de suas histórias são máquinas de supressão do tempo como dizia Lévi-Strauss ao falar do sentido profundo dos mitos. Em Esaú e Jacó, por exemplo, temos uma definição estrutural do dilema brasileiro nos heróis gêmeos Pedro e Paulo. Um, dir-se-ia hoje em dia, de direita (e aristocrático), porque monarquista; o outro de esquerda (e igualitário), porque republicano. Mas como não há na sociedade o impulso da decisão, pois o que se aspira é ficar complementariamente com dois, não há a apoteose confessional que chega com a escolha. Movimento que equivale a tomar partido, admitir culpa e virar a página da História. Nossa revolução estaria na supressão dos adjetivos. Afinal, como diz Machado: "Os adjetivos passam e os substantivos ficam".
* * *
Tal apoteose surge no caso noticiado pelo Globo e escrito pelo próprio autor no The New York Times, mas lá, nos Estados Unidos. Refiro-me à confissão calvinista do jornalista ianque-filipino Jose Antonio Vargas, premiado com a maior láurea da imprensa americana, o Prêmio Pulitzer. Num texto à la Frank Capra, ele narra sua saga como imigrante ilegal. Um burlador das leis de americanidade que são mais severas do que as que governam a vida mais recôndita. Lá, dizem eles, existem duas coisas certas no mundo: pagar imposto e morrer. Dizem também que mentir é o pior caminho e que ser honesto é o melhor negócio. É o único país do mundo com um primeiro mandatário que jamais mentiu, pois tal é o mito que cerca a figura do seu presidente inaugural, George Washington. Hoje, com tanta água suja correndo por baixo da ponte, poucos ainda creem nisso, mas as apoteoses confessionais que dramatizam o mito do "somente a verdade e nada mais do que verdade" continuam existindo.
O fato é que todo grupo tem suas parábolas, suas causas perdidas e, por meio delas, faz suas crônicas. Ou o inverso. Como um modesto observador da vida social, sei apenas que ninguém escapa dessas coerções que nos atingem como raios, de dentro para fora.
Quando dizem que a crônica é uma invenção brasileira, eu vejo meu amigo norte-americano Richard Moneygrand me garantindo que a pizza foi inventada em Chicago.
A globalização põe tudo entre parêntesis. Aquilo que os antropólogos antigos sabiam e nutriam como um segredo profissional - o fato de tudo o que é humano é em todo lugar reinventado, inclusive a noção do que é ser humano - foi desmascarado e, neste mundo onde viajar passou de aventura, turismo, exploração ou incumbência religiosa, política ou guerreira, a uma trivialidade. As viagens que o maior antropólogo do século passado, Claude Lévi-Strauss, no seu livro mais íntimo, Tristes Trópicos, diz paradoxalmente odiar na sua linha de abertura, não têm mais sentido hoje, quando todos estão em movimento, a maioria sem rumo ou bússola e - parece - não há mais o que descobrir. Demos a volta em torno de nós mesmos, percorrendo muitas vezes o globo ou a esfera terrestre. Mas continuamos esquecidos de que um mundo esférico não tem início ou fim. Ele é infinito e, num sentido especial, inesgotável. O ponto de partida acaba numa estranha fronteira: o próprio ponto de partida. Daí o axioma: se a pizza foi inventada em Chicago, a crônica é bíblica. E nós, brasileiros, dela gostamos porque preferimos os ensinamentos eternos mais do que as narrativas que ensinam "como fazer".
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Quando cheguei, em 1963, ao famoso Departamento de Relações Sociais da Universidade de Harvard, onde ensinavam Talcott Parsons, Robert Bellah, Cora DuBois e George Homans, entre outros, esperava um prédio mais grandioso do que o do Museu Nacional de onde vinha e, no entanto, deparei-me com uma modesta (e decepcionante) casa de madeira. As tábuas da varandinha tremiam, apesar de minha sensação de estar em pleno ar. Hoje, visito pela internet os lugares aonde vou. Sei o que me espera e não tenho mais surpresas. Também não tenho mais um coração disparado por decepções. Eis uma das atrações das parábolas. Como nas anedotas, você pensa uma coisa e ocorre outra. Tal como faz o governo que tributa todos os produtos e não nos dá nada de volta. Retribuir o que se recebe é, sabiam os antigos, um belo projeto...
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No livro Ardil 22, Joseph Heller fala de um certo coronel Cargill, marqueteiro convocado para a guerra, cuja especialidade era promover prejuízos em empresas que queriam pagar menos imposto de renda. Ou seja, o marketing de Cargill, ao contrário de alguns de nossos mais bem-sucedidos políticos - esses marqueteiros do povo pobre -, era vender fracasso num universo oficialmente marcado pela honestidade, pela competência e pelo progresso. Cargill perdia um tempo considerável planejando como fazer um empreendimento perder dinheiro para pagar menos imposto e multiplicava seu patrimônio porque, conforme se sabe, o fracasso - exceto, reitero, no submundo dos balcões que irmanam negócios e política no Brasil - não é fácil. Não é simples trilhar o caminho de cima para baixo. Ou seja: no tal "capitalismo avançado" e no mundo digital - armado em redes sem punho, onde balançamos todos solitariamente em frenética comunicação com um falso-outro que obedece à nossa vontade, podendo ser desligado (ou deletado) a nosso bel-prazer -, o fracasso deliberado pode ser o caminho do sucesso.
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A biografia de Machado de Assis, esplendidamente reinventada por Daniel Piza, surpreende e se destaca pelos exemplos de um Machado nada alienado como um mulato precursor do politicamente correto (como seus críticos de "esquerda" cansaram de apontar e por isso não li Machado na faculdade). Escritor consciente do sentido da parábola, algumas de suas histórias são máquinas de supressão do tempo como dizia Lévi-Strauss ao falar do sentido profundo dos mitos. Em Esaú e Jacó, por exemplo, temos uma definição estrutural do dilema brasileiro nos heróis gêmeos Pedro e Paulo. Um, dir-se-ia hoje em dia, de direita (e aristocrático), porque monarquista; o outro de esquerda (e igualitário), porque republicano. Mas como não há na sociedade o impulso da decisão, pois o que se aspira é ficar complementariamente com dois, não há a apoteose confessional que chega com a escolha. Movimento que equivale a tomar partido, admitir culpa e virar a página da História. Nossa revolução estaria na supressão dos adjetivos. Afinal, como diz Machado: "Os adjetivos passam e os substantivos ficam".
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Tal apoteose surge no caso noticiado pelo Globo e escrito pelo próprio autor no The New York Times, mas lá, nos Estados Unidos. Refiro-me à confissão calvinista do jornalista ianque-filipino Jose Antonio Vargas, premiado com a maior láurea da imprensa americana, o Prêmio Pulitzer. Num texto à la Frank Capra, ele narra sua saga como imigrante ilegal. Um burlador das leis de americanidade que são mais severas do que as que governam a vida mais recôndita. Lá, dizem eles, existem duas coisas certas no mundo: pagar imposto e morrer. Dizem também que mentir é o pior caminho e que ser honesto é o melhor negócio. É o único país do mundo com um primeiro mandatário que jamais mentiu, pois tal é o mito que cerca a figura do seu presidente inaugural, George Washington. Hoje, com tanta água suja correndo por baixo da ponte, poucos ainda creem nisso, mas as apoteoses confessionais que dramatizam o mito do "somente a verdade e nada mais do que verdade" continuam existindo.
O fato é que todo grupo tem suas parábolas, suas causas perdidas e, por meio delas, faz suas crônicas. Ou o inverso. Como um modesto observador da vida social, sei apenas que ninguém escapa dessas coerções que nos atingem como raios, de dentro para fora.
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Sempre me fascinaram as mudanças – às vezes avanço, às vezes retorno a caverna.
Nossa visão do mundo se transforma!
Nos usos e costumes a coisa é séria e nos afeta a todos: crianças muito precocemente sexualizadas pela moda, pela televisão, muitas vezes por mães alienadas.
Casamentos estão sendo atropelados pela incapacidade de fortalecer laços, construir juntos com alguma paciência.
Talvez a gente esteja num casa-separa muito rápido, frequentemente deixando filhinhos, que nem pediram para nascer, nem certamente queriam se separar de nada nem de ninguém. São simplesmente levados de um lado para o outro.
Dieta, hoje se tornou obsessão.
Em breve estaremos menos doentes, a saúde acho que melhorou muito, porém, teremos de descobrir o que fazer com tanto tempo de vida…
Nada de aposentadoria precoce, chinelo e pijama. Mas, aprender sempre. Interrogar o mundo, curtir a natureza, saborear a arte.
Passear, criar, divertir-se, viajar!
Leremos unicamente livros eletrônicos.
As crianças terão outras memórias, outras brincadeiras, outras alegrias.
O adultos, novas sensações e possibilidades.
Mas as emoções humanas, estas eu penso que vão demorar a mudar .
Todos vão continuar querendo mais ou menos o mesmo: afeto, presença, sentido para a vida, alegria.
Desta, por mais modernos, avançados , biônicos, quânticos, incríveis, não podemos esquecer…
Ou não valerá a pena nem um só ano a mais, saúde a mais, brinquedinhos a mais.
Seremos uns robôs cinzentos e sem graça !”
Leia mais: http://www.notube.com.br/como-seremos-amanha-estamos-abertos-as-novidades/#ixzz1fBJw0idH
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