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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Cidadania. Valores. Transforme a entrevista em um artigo de jornal. Renato Janine Ribeiro


Quais os valores que, na sua opinião, estão deixando de ser transmitidos tanto pela escola quanto pela família?

Está muito difícil transmitir nos dias de hoje tudo o que diz respeito ao laço social. Por um lado, isso é positivo. Antigamente as pessoas eram obrigadas a se vincular aos pais, à religião, ao poder e, até mesmo, no caso do Brasil, ao regime ditatorial. Em um casamento, ambos ficavam juntos por toda vida, mesmo que o amor acabasse. De fato, os laços sociais de antigamente nem sempre eram bons, mas hoje ficou muito simples desfazer o nó. Quando surge uma crise no matrimônio, é muito mais fácil você trocar o parceiro do que consertar aquilo que se desgastou. Creio que esse é um problema sério que temos hoje, pois as relações humanas ficaram descartáveis. Não é apenas a família e a escola que não transmitem valores. A própria sociedade tem dificuldade nisso. Ganhamos em liberdade e perdemos em comprometimento.

Então, a separação serve como uma válvula de escape? É a solução mais fácil?
É a mais fácil, porém não quer dizer que seja errado as pessoas se separarem e lutarem para melhorar suas vidas. Não estou criticando; só dizendo que não conseguimos chegar a um equilíbrio, para saber quanto investimos tentando recuperar o que está desgastado ou na construção de algo novo. Na transmissão de valores aos mais jovens, a busca pela vantagem ficou muito evidente. Há professores com pouco comprometimento, que consideram o fato de o salário ruim se tornar a única questão. Também existem pais que enxergam a dedicação aos filhos como algo secundário. A maneira como isso é transmitido aos jovens acaba sendo negativa, porque eles acabam não tendo sinais do que é responsabilidade. Nós estamos em um período em que é mais fácil destruir do que construir.

O que você enxerga como equilíbrio adequado?
Não dá para saber. Como podemos entender qual a melhor saída quando surge uma crise? Você pode estar casado e encontrar alguém que é o amor da sua vida. Vai desfazer a relação anterior e começar uma nova? Pode ser. É um ato de coragem. Mas, pode se deparar com o oposto, ou seja, uma relação que está desgastada, mas é verdadeira. No amor, é fácil trocar. Na profissão é diferente, porque vivemos em uma conjuntura de desemprego grande.

Você acha que os pais não ensinam os filhos a ter responsabilidade?
Está muito difícil. Por exemplo, ao guiar um carro, temos a tendência de passar o sinal vermelho e desrespeitar a faixa de pedestres. São péssimos exemplos que transmitimos aos jovens. Nos acostumamos a fazer coisas erradas e pelo caminho mais fácil, levando vantagens em superar os obstáculos. Quando você ensina ao seu filho o que é certo e depois, pelo seu exemplo, mostra o contrário, é muito ruim. Há pais que dizem: como essa escola não está ensinando moral para meu filho? Mas se o responsável pelo pequeno não é o primeiro a fazer isso, como ele vai querer terceirizar a educação moral? A parte ética não é responsabilidade somente da escola e as famílias não assumem isso.

O jovem sabe o que é ética?
Eu li em um jornal uma pesquisa com bebês de 15 meses que assistiram a alguns vídeos, nos quais os adultos faziam distribuição de doces ora de forma igualitária e ora desigual. E a reação dos bebês era de espanto quando viam a distribuição desigual. Então, se é possível um bebê de 15 meses ficar chocado quando observa uma injustiça, podemos ter um certo otimismo e dizer que existe algo que caminha no sentido da justiça. Uma frase do filósofo Jean-Jacques Rousseau é velha, mas tem certo sentido: “O homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Talvez tenhamos que pensar se a forma de organização da nossa vida social é nociva para a vida dos mais jovens. Estamos em um momento em que se defende a liberdade de expressão por um mundo pior. Eu sou a favor de sua defesa, mas não para o que há de mais repugnante na sociedade. É o direito de expressão da ofensa, da agressão e eu acho isso preocupante. Nenhum de nós pode definir o que é repugnante e decente, mas eu acho que houve um otimismo grande de que, com a liberdade de expressão, iríamos melhorar o mundo. Nós temos que recuperar esse otimismo e arrumar um jeito para que as pessoas deem o que têm de melhor e não o pior. E esse caso dos bebês talvez seja um sinal positivo nessa direção.

Ultimamente virou rotina escutarmos notícias sobre crianças entrando com armas nas escolas. Por que isso ocorre? Tem a ver com limites?
É um mistério. Trata-se de um comportamento frequente nos Estados Unidos, mas muito raro no Brasil. Este ano, tivemos dois casos horrorosos: o massacre de Realengo e agora uma criança, em São Caetano do Sul, que atirou contra a professora e se matou.  Isso, para mim, está no limite do incompreensível. Acredito que em uma sociedade onde o porte de armas é absolutamente livre e frequente e não sofre limitações, como nos Estados Unidos, podem ocorrer abusos. O caso de Realengo é espantoso, porque o Rio de Janeiro tem a fama de ser voltado ao prazer. Como você vai ter, justamente lá, um sujeito reprimido, que passou a vida fechado sobre si próprio e, de repente, faz uma chacina de horror? Eu tentaria responder dizendo o seguinte: você tem futuro ou não tem futuro?  Se tem, constrói sua vida. Caso não tenha, parte para a briga. Temos hoje um grande número de jovens que não têm perspectivas. Quando isso ocorre, é terrível. Imagine um adolescente que sente que o futuro dele é matar ou morrer? É uma coisa assustadora. Jovens traficantes querem desfrutar de carrões e garotas acham perfeitamente normal morrer aos 23 anos. Se eles tivessem um futuro, não colocariam a vida em risco.

Você acha que a escola fala a linguagem dos jovens?
Isso é difícil. No Brasil, a mudança de linguagem é muito rápida. A gramática portuguesa não vigora aqui há muito tempo. A mudança está tão radical, que é muito difícil falar com os jovens. Por isso, a importância do audiovisual no lugar do texto escrito é enorme. Mas, como fica isso para as pessoas educadas na escrita, com base nos livros? O universo do jovem é outro.

Recentemente, A Tribuna publicou uma matéria com dados divulgados pelo TSE, que mostravam um baixo índice de pessoas com 16 e 17 anos interessadas em retirar seu título de eleitor. Em contrapartida, há uma grande mobilização de jovens nas mídias sociais de movimentos contra a corrupção. Como explicar isso?

Eu escrevi um artigo sugerindo a experimentação do voto facultativo. Gostaria que a obrigação de votar fosse mantida na Constituição, mas que por uma ou duas eleições fossem suspensas as punições. Talvez seja bom as pessoas sentirem que votam porque estão livres e não porque são obrigadas. Agora, a sensação que tenho é que há um descontentamento muito grande com os partidos e uma descrença nos políticos. Ainda mais nos últimos anos, quando o PT sempre se apresentou como ético e foi acusado de muitos atos de corrupção. Tenho vários amigos que eram petistas convictos e que perderam a vontade de votar no PT. O Governo Lula gerou um desenvolvimento grande para o Brasil, fez um ótimo trabalho de inclusão social, capacitou gente de esquerda a exercer o poder. Tudo isso são aspectos positivos, mas por outro lado há uma tolerância com corruptos que decepciona muita gente, inclusive os jovens. E esse sentimento faz com que a política tradicional seja pouco atraente.

Você acha que é uma tendência dos jovens o uso das mídias sociais no combate à corrupção?
O entusiasmo pela luta contra a corrupção não é tão grande assim. No Brasil, pouca gente é contra de verdade. Muitas vezes, o argumento é usado para atingir o partido que não gosta. Vemos muito isso em relação ao PT que, no mínimo, é complacente com a corrupção, o que é um dado muito grave. Por outro lado, o partido não foi o único a agir assim. Mas quando um petista é acusado de corrupção, ele geralmente diz que os tucanos fizeram a mesma coisa e se recusa a assumir a responsabilidade. Agora, quando alguém acusa o lado tucano, eles se recusam a apurar o fato. Quem é contra a corrupção mesmo, é sempre. Em todos os casos, ela mata gente e tira escola. E quando mata pessoas, tira o futuro.

Os jovens de hoje são o futuro da sociedade. Diante do que você observa em relação à falta de interesse pela política, acha que a corrupção pode aumentar nos próximos anos?
Deus permita que não. Mas, além Dele deve haver uma contribuição do ser humano. Quando começaram as ocupações de praças na Espanha, eu estava em Barcelona. Ao conversar com os conhecidos, me referi aos jovens e me corrigiram, pois eram pessoas de todas as idades protestando. É fascinante ver todas as faixas etárias defendendo o hoje e o amanhã. É a experiência dos mais velhos junto ao sonho dos mais jovens.

É preciso entender de política para não ser um idiota?
Temos que explicar bem o sentido que usamos, que é o etimológico, ou seja, a pessoa fica confinada nela própria. O que é o idiota? Uma pessoa fechada em suas manias pessoais, em sua idiossincrasia (característica peculiar de um indivíduo ou grupo). Há uma palavra na linguística que eu gosto, que é idioleto. Temos o dialeto, que é uma versão regional de uma língua, e o idioleto seria uma linguagem só sua que impossibilita de se comunicar com outros. Então, o idiota está nessa situação. A política seria justamente essa maneira de sair do confinamento e estabelecer laços com as outras pessoas, colocando em foco a questão do poder.

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