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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Interpretação de textos. Nível bebê.

A miséria sólida e a ''modernidade líquida''
Arnaldo Jabor* 

O Censo-2010 do IBGE nos mostrou o óbvio: mais da metade do País (55%) não tem saneamento básico, não tem acesso nem à rede de esgotos. Também nos mostra que somente por volta de 2070 (talvez) se resolva o problema da miséria endêmica. E nos prova que a trágica doença brasileira que o governo Lula condenou e utilizou como bandeira continua intacta, a não ser na mídia e no papo. As reformas essenciais que qualquer governo moderno conhece nunca foram realizadas.
Uma vez, escrevi sobre um menino pobre que fazia malabarismo na rua, diante de meu carro, e muitos se emocionaram, em cartas e e-mails. Gosto do texto, mas tive uma sensação de culpa por fazer sucesso com a miséria dos outros. De certa forma, eu lucrei. O menininho malabarista (onde estará ele agora?) enobreceu-me. Ou seja, a miséria me deu assunto e lucro. Para nós, os bacanas, a miséria é apenas um incômodo "existencial", uma sujeira na paisagem.
Temos de entender como a miséria está "dentro" de todos nós. Ali, no carro blindado, diante do menino, eu fazia parte da miséria. Onde estava a miséria em mim, naquela noite? Estava no fato de eu ter carro? Talvez estivesse na blindagem, não do carro, mas, na blindagem de nossos corações contra o lado de fora da vida. Não basta sofrermos com o "absurdo" da miséria. Ela é uma construção minuciosa por um sistema complexo. A miséria não é absurda, é uma produção. Transformar a miséria em bandeira política, sem entender o conjunto que nos inclui, é uma atitude miserável. A miséria está nas emendas do orçamento, está na sordidez do sistema eleitoral, na falsa compaixão dos populistas, nas caras cínicas, "lombrosianas" dos ladrões congressistas, está na lei arcaica e sem reformas, está na atitude gelada dos juristas impassíveis, está nos garotinhos na rua e nos garotinhos da política.
Há alguns anos, tolerávamos tristemente a miséria, desde que ela ficasse longe, quieta, sem interferir na santa paz de nosso escândalo. A miséria tinha quase uma... "função social".
Mas, hoje, não adianta mais a eterna cantilena do "ah... coitados dos pobres..." Para entendermos o horror que nos envolve, temos de analisar as classes dominantes, a estrutura patrimonialista do País, a formação torta do Estado, a tradição histórica de nosso egoísmo. Livros e filmes devem ser feitos sobre os responsáveis por nossa fome e pobreza.
Com a indústria de armas, as drogas, a telefonia, a internet, a miséria foi tocada pela evolução do capitalismo. A violência é até uma trágica "modernização" da miséria. Ninguém sabe o que fazer com a neomiséria; por isso, a invenção das UPPs foi tão oportuna e original diante do óbvio: hoje, a miséria é grande demais para ser erradicada - temos de incorporá-la. Não tem mais jeito; a miséria tem de ser integrada à nossa vida.
Temos de conviver com ela, pois também somos miseráveis na alma, em nossa amarga alegria, em nossa ignorância política, em nossas noites vazias ou nos bares ameaçados, nos perigos das esquinas, em síndromes de pânico diante de nossa impotência, no narcisismo deslavado que aumenta entre as celebridades, na ridícula euforia das sacanagens e nas liberdades irrelevantes. A miséria está até na moda - vejam este texto de um catálogo "fashion":
"Use uma calça bacana, toda desgastada, bata na calça com martelo, dê uma ralada no asfalto, ou esfregue a calça com lixa, ou por fim, atropele seu jeans, passe por cima dele com o carro (blindado?). A moda pede peças puídas, como ficam depois de um ataque das traças ou baratas. E, se você tem algo a dizer sobre a vida, diga com sua camiseta, nas estampas com frases no peito..."
Somos vítimas da miséria pelo avesso, porque poderíamos ter um país muito melhor se fôssemos mais generosos. Menos egoísmo seria bom para o "mercado". Mais justiça social seria até lucrativa para os ricos: educação técnica, melhor mão de obra, mais consumidores. Mas, eles só pensam a curto prazo.
Antes, só falava de miséria quem não era miserável, em "fome" quem comia bem. Agora, os miseráveis já falam de nós. Antes, não víamos os miseráveis. Hoje, o menino malabarista nos vê e quer ser visto. Ele se exibe e isso é que nos dói (e ele é uma exceção pacífica.) A outra maneira de aparecer é pela violência. O medo despertou as elites desatentas.
Assim como a corrupção nos abre os olhos, denunciando a urgente reforma do Poder Judiciário paralítico, a violência prova o fracasso da administração pública. Não resolveremos nada. Os miseráveis é que vão fazer isso, aos poucos. E estão se expressando em movimentos de afirmação das periferias. Os marginalizados vão sair do horror para serem fontes de expressão vital. A miséria está nos educando.
E o problema é que ninguém sabe o que fazer. Cada vez mais o mundo vive a dor de um "mal" difuso e sem culpados claros. Leio a entrevista que Zygmunt Bauman deu ao Estadão, sábado passado; o filósofo polonês, estudioso da sociedade contemporânea, criador do conceito de "modernidade líquida", diz coisas excelentes em um diagnóstico do mundo atual, injusto e louco.
Mas, como sempre, na hora das "soluções", surge a ingênua impotência cheia de esperanças. O que fazer?
Aí, ele cita o professor Tim Jackson (da Universidade de Surrey) em sua obra recente, Redefinindo a Prosperidade, que propõe três caminhos para diminuir a pobreza no mundo:
1- conscientizar as pessoas de que crescimento econômico tem limites
2- mudar a lógica social dos governos, para que os cidadãos enriqueçam suas vidas por outros meios que não apenas bens materiais e
3- convencer os capitalistas a distribuir lucros não apenas segundo critérios financeiros, mas em função de benefícios sociais e ambientais.
Ótimo! Boa ideia! Agora só falta combinar com Wall Street e psicanalisar os governantes das nações poderosas.

OBS. do BLOG: A entrevista do BAUMAN está no meu blog na data de 30/04/2011

*****Por que a miséria pertence a todos? Responda, no máximo em 5 linhas.
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Fonte: IHU online, 02/05/2011
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Seguindo o sábio conselho do delegado Altair Queiroz, que acabou afastado por isso, eu evito passar pela Linha Vermelha durante a noite - aliás, nem durante o dia e isso não é de hoje. Faço o mesmo em relação aos bueiros, depois de mais uma explosão e o perigo de outras a qualquer momento. Também evito deixar água empoçada nas plantas com medo da dengue. De gatos então quero distância, mesmo não estando grávido, desde que li o impressionante testemunho de José Leon, uma pessoa confiável.
Em resposta a uma internauta, que alegava que só quem come cocô do animal corre o risco de pegar toxoplasmose, ele escreveu: "Não é verdade. Aos 18 anos, peguei toxoplasmose de um gato sem precisar comer suas fezes (...). Fiquei cego de um olho. Não tenho retina, nunca mais voltarei a enxergar dela." Portanto, não se trata de ouvir dizer.
Da mesma maneira, passo ao largo de cachorros no calçadão, depois que vi uma dessas feras, enorme, sem coleira, atacar um transeunte que caminhava calma e inadvertidamente. Por motivos que dispensam explicação, procuro não andar a pé de noite pelas ruas do meu bairro, e de todos os outros. Como na música de Chico Buarque, também chego a mudar de calçada quando vejo uma bicicleta vindo em minha direção porque sei que o seu objetivo é me atropelar. E agora evito alimentar conversa com estranhos ao telefone, pois me chamaram a atenção para o mais novo golpe na praça: um sujeito liga para sua casa, se identifica como policial, alega ter recebido ameaças de um telefone cujo número registrado no Bina é o seu, diz que sua linha foi clonada e sugere que você solicite reparo à sua operadora. No dia seguinte, vestido com uniforme da operadora, ele comparece à sua casa com um auxiliar. O que acontece depois é fácil imaginar. Segundo a denúncia, já seriam 108 casos na Zona Sul e 48 na Barra da Tijuca.
Não preciso falar que evito atravessar uma rua confiando apenas no sinal verde. Antes, olho para os dois lados, inclusive o da contramão. Me lembro do poeta Manuel Bandeira, que em situação parecida advertia: "Cuidado porque ele (o motorista) já nos viu." Enfim, estou evitando evitar todas essas coisas para não acabar paranoico.
Mal acabara de escrever tudo isso, quando soube do massacre na escola de Realengo. E aí foi impossível evitar a impotência e a revolta pelo que aconteceu. Em estado de choque como todo mundo, só consigo fazer perguntas, não encontro explicação, não vejo uma razão e não posso imaginar a dor dos pais e o trauma das crianças sobreviventes. Como todo mundo, só consigo repetir: e nós que nos achávamos livres desses desatinos, desses atos de insanidade que só aconteciam lá fora. Será um efeito perverso da globalização? É mais uma especulação. Apenas uma certeza: é preciso evitar esse acesso fácil às armas.
PERGUNTA: ." Enfim, estou evitando evitar todas essas coisas para não acabar paranoico’’.
Responda em 5 linhas: e emissor do texto está paranóico ao evitar tantos atos em seu cotidiano? Justifique.

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