Violência e indiferença:
duas formas de mal-estar na cultura
Em nossos dias, afirma Ehrenberg, a depressão ameaça o indivíduo como o pecado assombrava a alma dirigida para Deus ou
a culpa ameaçava o homem marcado pelo conflito. Vivemos em
um mundo caracterizado por uma série de transgressões sem interdições, de escolhas sem renúncias, razão pela qual, mais que uma
miséria afetiva, a depressão contemporânea vem se transformando
num modo de viver.
Concordamos inteiramente com o autor. Cansados e vazios,
agitados e violentos, vivemos um tempo sem futuro. Somos, segundo H. Arendt, homens “ressentidos”. Ressentidos contra tudo que
nos é dado, inclusive nossa própria existência, ressentidos contra
o fato de que não somos criadores nem do universo nem de nós
mesmos. Levados por esse ressentimento fundamental a não ver o
menor sentido no mundo tal como se apresenta, o homem moderno,
na opinião de H. Arendt, proclama que tudo é permitido e crê secretamente que tudo é possível. Sempre segundo a autora, a gratidão
é a única alternativa ao niilismo do ressentimento, gratidão fundamental pelas coisas elementares que nos são dadas: a própria vida,
a existência do homem e o mundo. E aqui é fundamental salientarmos que são os homens, e não o homem, que habitam o mundo.
E os homens incluem esses miseráveis que evitamos, dos quais nos
desviamos, dos quais sentimos medo e que nos são indiferentes. Enquanto o indivíduo contemporâneo não reencontrar sua capacidade
de revolta e indignação, continuaremos em pleno ressentimento e
longe de qualquer possibilidade de gratidão.
Caterina Coltai. “Violência e indiferença: duas formas de mal-estar
na cultura”. São Paulo em Perspectiva. Vol. 13. n. 3.
São Paulo, jul./set. 1999
O contrário do amor
O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma
enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor
é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e
descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a
indiferença.
[...] Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações:
seu nome não consta mais do cadastro.
Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém
existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para
odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocí-
nio, ainda que doente. Para odiar alguém, gastamos energia, neurô-
nios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face
e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio,
necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para
aturá-lo. O ódio, se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor
do amor.
Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos de quê?
De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump,
assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua,
estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos,
boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito
menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença, se tivesse
uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.
[...]
Martha Medeiros.
Violência e indiferença:
duas formas de mal-estar na cultura
Em nossos dias, afirma Ehrenberg, a depressão ameaça o indivíduo como o pecado assombrava a alma dirigida para Deus ou
a culpa ameaçava o homem marcado pelo conflito. Vivemos em
um mundo caracterizado por uma série de transgressões sem interdições, de escolhas sem renúncias, razão pela qual, mais que uma
miséria afetiva, a depressão contemporânea vem se transformando
num modo de viver.
Concordamos inteiramente com o autor. Cansados e vazios,
agitados e violentos, vivemos um tempo sem futuro. Somos, segundo H. Arendt, homens “ressentidos”. Ressentidos contra tudo que
nos é dado, inclusive nossa própria existência, ressentidos contra
o fato de que não somos criadores nem do universo nem de nós
mesmos. Levados por esse ressentimento fundamental a não ver o
menor sentido no mundo tal como se apresenta, o homem moderno,
na opinião de H. Arendt, proclama que tudo é permitido e crê secretamente que tudo é possível. Sempre segundo a autora, a gratidão
é a única alternativa ao niilismo do ressentimento, gratidão fundamental pelas coisas elementares que nos são dadas: a própria vida,
a existência do homem e o mundo. E aqui é fundamental salientarmos que são os homens, e não o homem, que habitam o mundo.
E os homens incluem esses miseráveis que evitamos, dos quais nos
desviamos, dos quais sentimos medo e que nos são indiferentes. Enquanto o indivíduo contemporâneo não reencontrar sua capacidade
de revolta e indignação, continuaremos em pleno ressentimento e
longe de qualquer possibilidade de gratidão.
Caterina Coltai. “Violência e indiferença: duas formas de mal-estar
na cultura”. São Paulo em Perspectiva. Vol. 13. n. 3.
São Paulo, jul./set. 1999
FONTE: sistemapoliedro
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