Para que este seja o início de uma nova política esquerdista, duas coisas têm que ocorrer: primeiro, uma nova ideologia crível deve surgir; segundo, algumas forças sociais devem marchar em seu apoio.
Nos séculos 19 e 20, a ideologia era o socialismo e a força era o trabalho organizado. O socialismo fracassou como forma de condução da economia. Mas ele teve sucesso no estabelecimento do Estado de bem-estar social. O socialismo é uma força conservadora, dedicada a defender os direitos adquiridos ao longo de um século. Enquanto isso, o trabalho organizado está mais fortemente enraizado no setor público. Isso lhe dá a mesma agenda conservadora: a defesa do Estado de bem-estar social. Greves dos trabalhadores do setor público britânico contra os cortes fiscais demonstram isso.
Se a esquerda tradicional não oferece resposta, a direita de livre mercado pode retornar aos negócios como de costume? Não. As pessoas que acreditam no casamento da política democrática com a economia de mercado precisam responder ao que aconteceu. Elas precisam fazê-lo, acima de tudo, porque há formas mais sombrias de política apenas no aguardo: o nacionalismo, o chauvinismo e o racismo. Isso é o que acontece quando as elites convencionais fracassam e a frustração toma conta. Nós não precisamos assistir essa tragédia de novo.
A resposta à crise entre aqueles no campo pró-mercado é semelhante à dos anos 30. De um lado há aqueles que culpam apenas o governo pelo que saiu errado. O Tea Party (Festa do Chá, movimento republicano que faz referência à Festa do Chá de Boston, um protesto antitaxação no século 18), nos Estados Unidos, assumiu essa posição, com certo sucesso. No Reino Unido, essa posição é mais fraca. Mas há também aqueles que argumentam que a crise é resultado da incontinência fiscal de Gordon Brown, dos mercados excessivamente regulados ou de bancos centrais incompetentes. Nisso, eles seguem os economistas austríacos Ludwig von Mises e Friedrich Hayek nos anos 30. Contra eles estão aqueles que, seguindo John Maynard Keynes, defendem um capitalismo administrado.
Novamente, grande parte desse debate é sobre o uso das ferramentas de política macroeconômica: deve-se arrochar ou afrouxar a política fiscal em uma recessão? As políticas monetárias não convencionais são um caminho para a hiperinflação ou políticas eficazes em circunstâncias extremas? Novamente, assim como surgiram keynesianos radicais nos anos 30 e depois, estão surgindo defensores de uma maior intervenção nos mercados.
Esse é um debate necessário. No meu entender, ambos os pontos de vista são úteis. O Tea Party está errado em relação ao futuro do governo. Até mesmo os Estados Unidos não retornarão a um Estado do século 19. Mas seus membros mais coerentes estão certos –e até mesmo concordam com os atuais manifestantes– de que promovemos uma forma de capitalismo de insider (pessoa do meio com informações privilegiadas) que explora e cria subsídios e brechas fiscais com os quais os insiders prosperam. A necessidade de resgatar bancos foi horrível. O papel do dinheiro na política é perturbador. O risco é de estarmos nos movendo do que o historiador econômico ganhador do Nobel, Douglass North, chama de uma “ordem de acesso aberto” para seu oposto, um sistema no qual a influência política é decisiva.
Isso não é apenas ineficiente. É injusto. Poucos se ressentem da fortuna de Steve Jobs. A visão em relação a aqueles que saíram ricos após o resgate de suas empresas é muito diferente. A era dos resgates deve acabar. A reestruturação das finanças para tornar isso crível é de enorme importância para o futuro. Mas isso não é tudo. O capitalismo de mercado cria dificuldades inerentes. As duas mais óbvias são a instabilidade macroeconômica e os extremos de desigualdade. A tendência de um sistema financeiro orientado pelo mercado perder o controle foi demonstrada de novo em grande escala. As pessoas de direita de livre mercado argumentam que se voltássemos ao padrão ouro ou colocássemos um fim aos depósitos compulsórios tudo ficaria bem. Eu questiono essas afirmações. A instabilidade é inerente no jogo de apostar no futuro. Os seres humanos parecem propensos a ondas de otimismo e pessimismo autorrealizáveis. Formas de atenuar o tamanho e as consequências dessa instabilidade precisam sempre ser encontradas.
É impossível definir um nível aceitável de desigualdade. Qualquer desigualdade é corrosiva diante da crença de que aqueles com riqueza manipularam o jogo em vez de tê-la conquistado em uma competição honesta. E à medida que a desigualdade cresce, o senso de que somos cidadãos iguais enfraquece. No final, a democracia é vendida para aquele que apresentar o maior lance. Isso já aconteceu com frequência na história das repúblicas. Protestar pacificamente é o direito dos povos livres. Mais importante, é uma forma de chamar nossa atenção para as questões. A esquerda não sabe como substituir o mercado. Mas os defensores do mercado ainda precisam levar os protestos a sério. Não está tudo bem.
Tradução: George El Khouri Andolfato
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