Pelo voto obrigatório
Renato Janine Ribeiro e a defesa do voto obrigatório. Na próxima edição, a continuação da coluna e os contras dessa obrigação cívica
Por renato janine ribeiro
Recentemente, discuti com jovens estudantes, em Belo Horizonte, o livro que escrevi com Mário Sérgio Cortella, Política: para não ser idiota. Sabemos que hoje se debate a reforma política. Para os partidos, a questão principal é como eleger os deputados. Para os cidadãos, as questões principais são a da fidelidade partidária, que o Judiciário acabou impondo, e a do voto obrigatório ou não. Os jovens a quem falei, tendo na sua maioria entre 17 e 19 anos, racharam pela metade na questão do voto. Dos dois lados, argumentaram bem. Este mês, exponho aqui argumentos a favor do voto obrigatório. Na próxima coluna, defenderei o voto facultativo; quem quiser, escreva para cá, dizendo o que pensa a respeito.
Por que o voto, que é direito, seria também obrigação? Porque é a principal expressão de uma sociedade democrática. A democracia é o regime no qual o cidadão tem mais liberdades. Mas essas liberdades não caem do céu. São construídas por nós. "Nós" quer dizer: todos nós. A democracia é o único regime em que todos são iguais em direitos. Ou seja, todos os eleitores são considerados adultos, maiores de idade. O poder é conferido pelos cidadãos. Por isso, a democracia não admite pa ter na lismo, condescendência, clien te lismo. Cidadão é quem participa ativamente da construção da cidade - civitas, pólis - isto é, do Estado. É o contrário do súdito, o subdictus, aquele que está debaixo do dizer alheio. Nas monarquias, despotismos e ditaduras, há alguém que supostamente protege ou cuida dos outros. Já os cidadãos, sendo iguais, não podem ser tutelados. Não podemos ser tratados como crianças. O chefe de governo não é pai da pátria nem dos cidadãos.
Assim, na democracia, temos responsabilidade. Se não quisermos votar por acharmos a política ruim, corrupta, insatisfatória, estaremos errados. Porque a quem posso responsabilizar, se a política é má? Cabe a "nós" mudá-la. Se ela é assim, é porque a deixamos ser assim. Pode até ser que nossa política esteja mal devido a problemas do passado; mas, mesmo assim, o futuro é nossa responsabilidade. Não escolhi o passado político nem pessoal, porque não escolhi nascer rico ou pobre, bonito ou feio; mas depende de mim o que, de agora em diante, farei com isso. Então, se meu país vai mal, cabe a nós mudá-lo para melhor. Daí que votar seja uma obrigação ética. Daí que votar seja apenas um indicador de uma obrigação ética mais abrangente, que é de participar da vida pública o mais possível.
Estas são razões fortes pelo voto obrigatório. Em função delas, pelo menos 20 países obrigam a votar, entre eles, Austrália, Bélgica, Costa Rica, Itália. Na maior parte deles, é verdade que não há punição para quem se abstém. O dever é moral. Mas, como se vê, não é só no Brasil que há o voto obrigatório, e há bons argumentos em seu favor.
Temos também um aspecto prático, pragmático. Em países onde há forte desigualdade social, como nos Estados Unidos, o voto facultativo gera um círculo vicioso. Quem não vota - negros, hispânicos, pobres, semianalfabetos - acaba não sendo representado. Os políticos não têm interesse em defender os interesses dos não eleitores. Assim, esses vão ficando cada vez mais excluídos - e, excluídos, votam ainda menos. É por isso que existe nos EUA um movimento pelo voto obrigatório: ele levaria a uma inclusão social maior dos mais pobres.
Vemos, portanto, razões tanto teó ricas quanto práticas para defender a obrigatoriedade do voto, por antipática que seja a uma parte da população. Mas, para equilibrar as coisas, na próxima coluna vamos ver como se justifica o voto facultativo. Não é uma questão de certo ou errado. E, como é um tema candente, vale a pena aprofundar a discussão.
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