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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A estética da crueldade


A estética da crueldade



A moderna cultura de massas mobiliza todos os seus recursos técnicos para programar os homens, por um lado para induzi-los à docilidade, ao conformismo social e político, e por outro para confrontá-lo com o espetáculo da violência. Nada mais semelhante à cultura barroca, cuja principal função era inculcar a obediência à Igreja e ao soberano, e que procurava incutir nos súditos e nos fiéis a convicção de que sem um poder absoluto o homem ficaria exposto a todos os horrores da história, simbolizados pelas cenas de decapitação e desmembramento do teatro barroco, por suas alegorias da morte, pela visão da história como ruína, como ossuário. Talvez também seja essa uma das funções da exploração da violência em nossos dias - mostrar que não há saída fora da lei e da ordem. De qualquer modo, nosso presente também está sob o signo do memento mori, e também tem seu ossuário, representado por atrocidades infinitamente mais desumanas que as praticadas durante a guerra dos Trinta Anos, que serviram de pano de fundo para o barroco do Seiscentos. As valas comuns de Auschwitz revelaram corpos decompostos e esqueletos. Recentemente vimos a foto de um iraquiano segurando o crânio retirado de um fossa coletiva, exatamente como Hamlet segurando a caveira de Yorick. Nossas ruínas são as de Berlim e as de Bagdá. Cada vez que alguém morre em nome de valores irracionais – nação, raça, cultura ou religião – é um fragmento de Iluminismo que morre dentro de nós. Nossa melancolia é Trauerarbeit, trabalho de luto pela morte de nossas utopias. "

Fonte: O barroco ontem e hoje - ensaio Sergio Paulo Rouanet




Segundo Maravall, o homem barroco se compraz diante das imagens de corpos despedaçados, de sofrimento físico, de sangue a jorrar, de necrópsia, enfim, do corpo em situação de dor ou como objeto de curiosidade mórbida. A dimensão física da morte, como esqueleto, cadáveres e túmulos, por exemplo, não o apavora. O que ele teme é sobretudo a dimensão sobrenatural da morte, aquilo que vem depois dela. Menos que um exagero, a representação exaustiva dos temas ligados ao sofrimento físico ecoa a presença massiva da morte no cotidiano do homem barroco. A morte está na ordem do dia.

Estes testemunhos denunciam a agressividade e violência do ser humano, o que, em primeiro plano, põe em relevo o pessimismo com que ele é contemplado. Violência pública, social, nas guerras, nas práticas penais da época, nos homicídios, roubos e demais delitos que diariamente são cometidos; violência nas relações privadas, interindividuais..."
MARAVALL, A cultura do barroco, p. 263

Há uma interessante matéria da Revista Zupi que tece uma relação entre esta estética barroca e os dias de hoje:

É claro que no século XVII não havia editoriais de moda. Mas, se houvesse, provavelmente se pareceriam com este. Produzido pela Diver & Aguilar para a Riders Moda, o ensaio busca inspiração no Tenebrismo do mestre barroco Caravaggio, reproduzindo cenas que simulam diversas obras do artista. Aqui o bom-mocismo não tem vez: nada de homens de barba feita, cabelo impecável e carinha de bebê. Segundo os fotógrafos, é como se “Clube da Luta se encontrasse com a Contra-Reforma”.
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Caravaggio Judith degola Holofernes



Este horror parece ser reeditado no atual modismo de UFC e congêneres:

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