Rose e seus alunos
Leituras p quem for fazer vestibulares e concursos.
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segunda-feira, 15 de abril de 2013
sábado, 10 de março de 2012
Pressa. Ansiedade. E a sensação de que nunca é possível
fazer tudo – além da certeza de que sua vida está passando
rápido demais. Essas são as principais conseqüências de
vivermos num mundo em que para tudo vale a regra do “quanto
mais rápido, melhor”. Psiquiatras já discutem a existência de um
distúrbio conhecido como “doença da pressa”, cujos sintomas
seriam a alta ansiedade, dificuldade para relaxar e, em casos
mais graves, problemas de saúde e de relacionamento. “Para
nós, ocidentais, o tempo é linear e nunca volta. Por isso
queremos ter a sensação de que estamos tirando o máximo
dele. E a única solução que encontramos é acelerá-lo”, afirma o
jornalista canadense Carl Honoré. “É um equívoco. A resposta
desse dilema é qualidade, não quantidade.”
Para outros especialistas no assunto, a aceleração é
uma escolha que fizemos. Somos como crianças descendo uma
ladeira de skate. Gostamos da brincadeira, queremos mais
velocidade. O problema é que nem tudo ao nosso redor
consegue atender à demanda. Os carros podem estar mais
rápidos, mas as viagens demoram cada vez mais por culpa dos
congestionamentos. Semáforos vermelhos continuam testando
nossa paciência, obrigando-nos a frear a cada quarteirão. Mais
sorte têm os pedestres que podem apertar o botão que aciona o
sinal verde – uma ótima opção para controlar a ansiedade, mas
com efeito muitas vezes nulo. É um exemplo do que os
especialistas chamam de “botões de aceleração”. Na teoria,
deixam as coisas mais rápidas. Na prática, servem para ser
apertados e só.
O que fazermos com os dois segundos, no máximo, que
economizamos ao acionar aquela tecla que fecha a porta do
elevador? E quem disse que apertá-la duas, quatro, dez vezes
vai melhorar a eficiência? Elevadores, aliás, são os ícones da
pressa em tempos velozes. Os primeiros modelos se moviam a
vinte centímetros por segundo. Hoje, o mais veloz sobe doze
metros por segundo. E, mesmo acelerando, estão entre os
maiores focos de impaciência. Engenheiros são obrigados a
desenvolver sistemas para conter nossa irritação, como luzes
ou alarmes que antecipam a chegada do elevador e cuja única
função é aplacar a ansiedade da espera.
(Adaptado de Sérgio Gwercman, Superinteressante, março de
terça-feira, 6 de março de 2012
V eja aqui
PROPOSTA I − DISSERTAÇÃO
Leia o editorial abaixo procurando apreender o tema nele desenvolvido. Em seguida, elabore uma dissertação, na
qual você exporá, de modo claro e coerente, suas ideias acerca desse tema.
Descendentes de um grande escritor brasileiro já desaparecido tentaram evitar que uma publicação veiculasse
fotografia do pai com um determinado tipo de gravata. Consideravam que o autor só poderia aparecer com o modelo
borboleta, seu predileto. O episódio é apenas um exemplo dos excessos cometidos por famílias na suposta tentativa de
proteger a imagem de seus famosos parentes mortos. Há muitos casos análogos, que envolvem, além da imagem e do
nome, o direito de relatar fatos biográficos, criticar e reproduzir obras em meios como livros, revistas e catálogos. Ambições
pecuniárias, leis problemáticas e decisões judiciais infelizes conspiram para conferir aos herdeiros um poder desmedido
sobre bens que possuem evidente dimensão pública. 14 PUCCAMP-11-Prova-Geral
O episódio mais recente envolveu a Bienal de São Paulo e a associação O Mundo de Lygia Clark, dirigida pelo filho
da pintora. Diante de imposições, os responsáveis preferiram retirar a artista da mostra. "Queriam até controlar quem poderia
escrever sobre ela", afirmou o curador Agnaldo Farias.
A associação argumenta que tem custos e precisa cobri-los. Ainda que fosse assim (e que se precise avançar em
políticas públicas de aquisição de acervos na área das artes visuais), o argumento não bastaria para impedir a presença de
obras da artista na Bienal, a reedição de um livro e o uso de seu nome numa exposição com depoimentos em vídeo acerca
de seu trabalho.
Em breve o Ministério da Cultura levará a consulta pública a revisão da Lei de Direito Autoral. É provável que
aspectos relativos às novas tecnologias dominem o debate − mas isso não deveria impedir que se criassem regras para
reequilibrar as relações entre direitos de herdeiros e o caráter público do patrimônio cultural.
(Folha de S. Paulo, A2 opinião, segunda-feira, 07 de junho de 2010)
sexta-feira, 2 de março de 2012
quinta-feira, 1 de março de 2012
sábado, 25 de fevereiro de 2012
O que é ideologia.
A CONCEPÇÃO MARXISTA DE IDEOLOGIA 14
Sistematizando o pensamento filosófico grego, Aristóteles elaborou algo que, a partir da filosofia medieval, ficou sendo conhecido como a teoria das quatro causas.
Como se sabe, uma das maiores preocupações dos filósofos gregos era a explicação do movimento. Por movimento, os gregos entendiam: 1) toda mudança qualitativa de um corpo qualquer (por exemplo, uma semente que se toma árvore, um objeto branco que amarelece, um animal que adoece, etc.); 2) toda mudança quantitativa de um corpo qualquer (por exemplo, um corpo que aumente de volume ou diminua, um corpo que se divida em outros menores, etc,); 3) toda mudança de lugar ou locomoção de um corpo qualquer (por exemplo, a trajetória de uma flecha, o deslocamento de um barco, a queda de uma pedra, o levitar de uma pluma, etc.); 4) toda geração e corrupção dos corpos, isto é, o nascimento e perecimento das coisas e dos homens. Movimento, portanto significa para um grego toda e qualquer alteração de uma realidade, seja ela qual for.
A teoria aristotélica das quatro causas, tal como foi recolhida e conservada pelos pensadores medievais, é uma das explicações encontradas pelo filósofo para dar conta do problema do movimento. Haveria, então, uma causa material (a matéria de que um corpo é constituído, como, por exemplo, a madeira, que seria a causa material da mesa), a causa formal (a forma que a matéria possui para constituir um corpo determinado, como, por exemplo, a forma da mesa que seria a causa formal da madeira), a causa motriz ou eficiente (a ação ou operação que faz com que uma matéria passe a ter uma determinada forma, como, por exemplo, quando o marceneiro fabrica a mesa) e, por último, a causa final (o motivo ou a razão pela qual uma determinada matéria passou a ter uma determinada forma, como, por exemplo, a mesa feita para servir como altar em um templo). Assim, as diferentes relações entre as quatro causas explicam tudo que existe, o modo como existe e se altera, e o fim ou motivo para o qual existe.
Um aspecto fundamental dessa teoria da causalidade consiste no fato de que as quatro causas não possuem o mesmo valor, isto é, são concebidas como hierarquizadas indo da causa mais inferior à causa superior. Nessa hierarquia, a causa menos valiosa ou menos importante é a causa eficiente (a operação de fazer a causa material receber a causa formal, ou seja, o fabricar natural ou humano) e a causa mais valiosa ou mais importante é a causa final (o motivo ou finalidade da existência de alguma coisa).
À primeira vista, essa teoria é uma pura concepção metafísica que serve para explicar de modo coerente e objetivo os fenômenos naturais (física) e os fenômenos humanos (ética, política e técnica). Nada parece indicar a menor relação entre a explicação causal do universo e a realidade social grega. Sabemos, porém, que a sociedade grega é escravagista e que a sociedade medieval se baseia na servidão, isto é, são sociedades que distinguem radicalmente os homens em superiores – os homens livres, que são cidadãos, na Grécia, e senhores feudais, na Europa medieval – e inferiores – os escravos, na Grécia, e os servos da gleba, na Idade Média. Mas, o que teria a concepção da causalidade a ver com tal divisão social? Muita coisa.
Se tomarmos o cidadão ou o senhor e indagarmos a qual das causas ele corresponde, veremos que corresponde à causa final, isto é, o fim ou motivo pelo qual alguma coisa existe é o usuário dessa coisa, aquele que ordenou sua fabricação (por isso, na teologia cristã, Deus é considerado a causa final do universo, que existe “para Sua maior glória e honra”). Em outras palavras, a causa final está vinculada à idéia de uso e este depende da vontade de quem ordena a produção de alguma coisa. Se, por outro lado, indagarmos a que causa corresponde o escravo ou o servo, veremos que corresponde à causa motriz ou eficiente, isto é, ao trabalho graças ao qual uma certa matéria receberá uma certa forma para servir ao uso ou ao desejo do senhor. Compreende-se, então, por que a metafísica das quatro causas considera a causa final superior à eficiente, que se encontra inteiramente subordinada à primeira. Não só no plano da Natureza e do sobrenatural, mas também no plano humano ou social o trabalho aparece como elemento secundário ou inferior, a fabricação sendo menos importante do que seu fim. A causa eficiente é um simples meio ou instrumento.
Temos, portanto, uma teoria geral para a explicação da realidade e de suas transformações que, na verdade, é a transposição involuntária para o plano das idéias de relações sociais muito determinadas. Quando o teórico elabora sua teoria, evidentemente não pensa estar realizando essa transposição, mas julga estar produzindo idéias verdadeiras que nada devem à existência histórica e social do pensador. Até pelo contrário, o pensador julga que com essas idéias poderá explicar a própria sociedade em que vive. Um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em tomar as idéias como independentes da realidade histórica e social, de modo a fazer com que tais idéias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as idéias elaboradas.
Prossigamos com nosso exemplo. Vejamos agora o que sucede com a teoria da causalidade no mundo moderno, a partir da física elaborada nos séculos XVII e XVIII. Com os trabalhos de Galileu, Francis Bacon e Descartes (entre outros), o pensamento moderno reduziu as quatro causas apenas a duas: a eficiente e a final, passando a dar à palavra “causa” o sentido que hoje lhe damos, isto é, de operação ou ação.
A física moderna considera que a Natureza age de modo inteiramente mecânico, isto é, como um sistema necessário de relações de causa e efeito, tomando a causa sempre e exclusivamente no sentido de causa motriz ou eficiente. Ou seja, não há causas finais na Natureza. No plano da metafísica, porém, além da causa eficiente, é conservada a causa final, pois esta se refere a toda ação voluntária e livre, ou seja, refere-se à ação de Deus e â dos homens. A vontade (divina e humana) é livre e age tendo em vista fins ou objetivos a serem alcançados. Assim, a Natureza se distingue de Deus e dos homens (enquanto espíritos); é que ela obedece a leis necessárias e impessoais – a causa eficiente define o reino da Natureza como reino da necessidade racional –, enquanto Deus e os homens agem por vontade livre – Deus e os homens constituem o reino da finalidade e da liberdade.
Costuma-se dizer que o pensamento moderno representa um grande progresso teórico, pois ao eliminar as causas finais do plano da Natureza eliminou explicações antropomórficas que impediam o desenvolvimento da ciência Física. Que significa a separação entre a Natureza – reino da pura necessidade mecânica – e o Homem – reino da pura finalidade e liberdade? Que “progresso teórico” foi este?
Um dos resultados da Física moderna foi à possibilidade de explicar o corpo humano (anatômica e fisiologicamente) como um corpo natural, isto é, movido apenas pela ação da causalidade eficiente, como uma máquina que opera sem a intervenção da vontade e da liberdade.
Os corpos são autômatos governados por leis mecânicas. O corpo humano, dirá Descartes, é um “animal máquina”.
O homem surge, então, como um ser muito peculiar: por seu corpo, é uma máquina natural e impessoal que obedece à causalidade eficiente; por sua vontade (ou por seu espírito, onde a vontade se aloja), é uma liberdade que age em vista de fins livremente escolhidos. Pode, então, fazer com que seu corpo, atuando mecanicamente, sirva aos fins escolhidos por sua vontade. Assim, se do lado da Natureza não há mais hierarquia de seres e de causas, do lado humano a hierarquia reaparece porque a causa final ou livre é superior e mais valiosa do que a eficiente: o espírito vale mais do que o corpo e este devem subordinar-se àquele. O homem livre é, portanto, um ser universal (sempre existiu e sempre existirá) que se caracteriza pela união de um corpo mecânico e de uma vontade finalista. Qual será a manifestação por excelência desse homem livre? Aquela atividade na qual sua vontade subordina seu corpo para obter um certo fim o trabalho. O trabalho aparece, assim, como uma das expressões privilegiadas do homem como ser natural e espiritual.
Como foi possível passar da desqualificação do trabalho (na teoria das quatro causas) à sua nova valorização? Ora, estamos agora diante de uma sociedade que eliminou a escravidão e a servidão, uma sociedade onde começa a dominar um tipo de homem que se valoriza a si mesmo não por seu sangue ou família (como é o caso do senhor feudal que vale por sua linhagem), mas por ter adquirido poder econômico e começar a adquirir poder político e prestígio social como recompensa de seu esforço pessoal, de sua capacidade de trabalho e de poupança. Estamos agora diante do burguês.
No entanto, a nova sociedade, que valoriza o trabalho como unidade do corpo (natureza) e do espírito (vontade livre), não é constituída apenas pelo burguês, mas ainda por outro homem livre. Vejamos o perfil desse outro personagem, tal como Marx o apresenta no capítulo “O segredo da acumulação primitiva”, n'O Capital. Trata-se do moderno trabalhador livre: “Trabalhadores livres num duplo sentido, pois já não aparecem diretamente como meios de produção, como o eram o escravo e o servo, e também já não possuem seus próprios meios de produção, como o lavrador que trabalha sua própria terra; livres e donos de si mesmos (...) O regime do capital pressupõe a separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho (...) Portanto, o processo que engendra o capitalismo só pode ser um: o processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de seu trabalho, processo que, por um lado, converte em capital os meios sociais de vida e de produção, enquanto, por outro lado converte os produtores diretos em assalariados”.
Esta mos, pois, diante do que se convencionou chamar de homem livre moderno. Notamos, porém, que esse “homem” são dois tipos diferentes de homem: há o burguês, proprietário privado das condições do trabalho, e há o trabalhador, despojado dessas condições, “liberado” da servidão, mas também despojado dos meios de trabalhar. Ora, visto que o capital não pode acumular-se nem se reproduzir sem a exploração do trabalho, que é sua fonte, é preciso distinguir duas faces do trabalho, embora tidas como igualmente dignas: de um lado, o trabalho como expressão de uma vontade livre e dotada de fins próprios, e, de outro lado, o trabalho como relação da máquina corporal com as máquinas sem vida, isto é, com as coisas naturais e fabricadas. Ora, essas duas faces do trabalho também estarão divididas em duas figuras diferentes: o lado livre e espiritual do trabalho é o burguês, que determina os fins, enquanto o lado mecânico e corpóreo do trabalho é o trabalhador, simples meio para fins que lhe são estranhos. De um lado, a liberdade. De outro, a “necessidade”, isto é, o autômato.
Vemos, novamente, como idéias que parecem resultar do puro esforço intelectual, de uma elaboração teórica objetiva e neutra, de puros conceitos nascidos da observação científica e da especulação metafísica, sem qualquer laço de dependência com as condições sociais e históricas, são, na verdade, expressões dessas condições reais, porém de modo invertido e dissimulado. Com tais idéias pretende-se explicar a realidade, sem se perceber que são elas que precisam ser explicadas pela realidade.
O real não é constituído por coisas. Nossa experiência direta e imediata da realidade nos leva a imaginar que o real é feito de coisas (sejam elas naturais ou humanas), isto é, de objetos físicos, psíquicos, culturais oferecidos à nossa percepção e às nossas vivências.
Assim, por exemplo, costumamos dizer que uma montanha é real porque é uma coisa. No entanto, o simples fato de que essa “coisa” possua um nome, que a chamemos “montanha”, indica que ela é, pelo menos, uma “coisa-para-nós”, isto é, algo que possui um sentido em nossa experiência. Suponhamos que pertencemos a uma sociedade cuja religião é politeísta e cujos deuses são imaginados com formas e sentimentos humanos, embora superiores aos dos homens, e que nossa sociedade exprima essa superioridade divina fazendo com que os deuses sejam habitantes dos altos lugares. A montanha já não é uma coisa: é a morada dos deuses. Suponhamos, agora, que somos uma empresa capitalista que pretende explorar minério de ferro e que descobrimos uma grande jazida numa montanha. Como empresários, compramos a montanha, que, portanto, não é uma coisa, mas propriedade privada. Visto que iremos explorá-la para obtenção de lucros, não é uma coisa, mas capital. Ora, sendo propriedade privada capitalista, só existe como tal se for lugar de trabalho. Assim, a montanha não é coisa, mas relação econômica e, portanto, relação social. A montanha, agora, é matéria prima num conjunto de forças produtivas, dentre as quais se destaca o trabalhador, para quem a montanha é lugar de trabalho. Suponhamos, agora, que somos pintores. Para nós, a montanha é forma, cor, volume, linhas, profundidade – não é uma coisa, mas um campo de visibilidade.
Não se trata de supor que há, de um lado, a “coisa” física ou material e, de outro, a “coisa” como idéia ou significação. Não há, de um lado, a coisa em-si, e, de outro lado, a coisa para-nós, mas entrelaçamento do físico-material e da significação, a unidade de um ser e de seu sentido, fazendo com que aquilo que chamamos “coisa” seja sempre um campo significativo. O Monte Olimpo, o Monte Sinai são realidades culturais tanto quanto as Sierras para a história da revolução cubana ou as montanhas para a resistência espanhola e francesa, ou a Montanha Santa Vitória, pintada por Cézanne. O que não impede ao geólogo de estudá-las de modo diverso, nem ao capitalista de reduzi-Ias a mercadorias (seja explorando seus recursos de matéria prima, seja transformando-as em objeto de turismo lucrativo).
O que dissemos sobre a montanha, podemos também dizer a respeito de todos os entes reais.
São formas de nossas relações com a natureza mediadas por nossas relações sociais, são seres culturais, campos de significação variados no tempo e no espaço, dependentes de nossa sociedade, de nossa classesocial, de nossa posição na divisão social do trabalho, dos investimentos simbólicos que cada cultura imprime a si mesma através das coisas e dos homens. Isto, porém, não implica em afirmar o oposto, isto é, se o real não é constituído de coisas, então será constituído por idéias ou por nossas representações das coisas. Se fizéssemos tal afirmação, estaríamos na ideologia em estado puro, pois para esta última a realidade é constituída por idéias, das quais as coisas seriam uma espécie de receptáculo ou de encarnação provisória.
O empirismo (do grego empeíría, que significa: experiência dos sentidos) considera que o real são fatos ou coisas observáveis e que o conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial que ternos dos objetos cujas sensações se associam e formam idéias em nosso cérebro. O idealista, por sua vez, considera que o real são idéias ou representações e que o conhecimento da realidade se reduz ao exame dos dados e das operações de nossa consciência ou do intelecto como atividade produtora de idéias que dão sentido ao real e o fazem existir para nós.
Tanto num caso como no outro, a realidade é considerada como um puro dado imediato: um dado dos sentidos, para o empirista, ou um dado da consciência, para o idealista. Ora, o real não é um dado sensível nem um dado intelectual, mas é um processo, um movimento temporal de constituição dos seres e de suas significações, e esse processo depende fundamentalmente do modo como os homens se relacionam entre si e com a natureza. Essas relações entre os homens e deles com a natureza constituem as relações sociais como algo produzido pelos próprios homens, ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicos autores.
E, portanto, das relações sociais que precisamos partir para compreender o que, como e por que os homens agem e pensam de maneiras determinadas, sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-las ou de transformá-las. Porém, novamente, não se trata de tomar essas relações como um dado ou como um fato observável, pois neste caso estaríamos em plena ideologia. Trata-se, pelo contrário, de compreender a própria origem das relações sociais, de suas diferenças temporais, em uma palavra, de encará-las como processos históricos. Mas, ainda uma vez, não se trata de tomar a história como sucessão de acontecimentos factuais, nem como evolução temporal das coisas e dos homens, nem como um progresso de suas idéias e realizações, nem como formas sucessivas e cada vez melhores das relações sociais. A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias, mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural.
A história é praxis (no grego, praxis significa um modo de agir no qual o agente, sua ação e o produto de sua ação são termos intrinsecamente ligados e dependentes uns dos outros, não sendo possível separá-los). Nesta perspectiva, a história é o real e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas (família, condições de trabalho, relações políticas, instituições religiosas, tipos de educação, formas de arte, transmissão dos costumes, língua, etc.). Além de procurar fixar seu modo de sociabilidade através de instituições determinadas, os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas idéias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia. Por seu intermédio, os homens legitimam as condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas. Enfim, também é um aspecto fundamental da existência histórica dos homens a ação pela qual podem ou reproduzir as relações sociais existentes, ou transformá-las, seja de maneira radical (quando fazem uma revolução), seja de maneira parcial (quando fazem reformas).
Nossa tarefa será, pois, a de compreender por que a ideologia é possível: qual sua origem, quais seus fins, quais seus mecanismos e quais seus efeitos históricos, isto é, sociais, econômicos, políticos e culturais.
O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy, Eléments d'ldéologie (Elementos de Ideologia). Juntamente com o médico Cabanis, com De Gérando e Volney, DeStutt de Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das idéias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas idéias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). Os ideólogos franceses eram antiteológicos, antimetafísicos e antimonárquicos. Pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais, baseadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados observados, pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Contra a educação religiosa e metafísica, que permite assegurar o poder político de um monarca, De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para “formar um bom espírito”, isto é, um espírito capaz de observar, decompor e recompor os fatos, sem se perder em vazias especulações. Cabanis pretende construir ciências morais dotadas de tanta certeza quanto as naturais, capazes de trazer a felicidade coletiva e de acabar com os dogmas, desde que a moralidade não seja separada da fisiologia do corpo humano.
Nos Elementos de Ideologia, na parte dedicada ao estudo da vontade, De Tracy procura analisar os efeitos de nossas ações voluntárias e escreve, então, sobre economia, na medida em que os efeitos de nossas ações voluntárias concernem à nossa aptidão para prover nossas necessidades materiais. Procura saber como atuam, sobre o indivíduo e sobre a massa, o trabalho e as diferentes formas da sociedade, isto é, a família, a corporação, etc. Suas considerações, na verdade, são glosas das análises do economista francês Say, a respeito da troca, da produção, do valor, da indústria, da distribuição do consumo e das riquezas.
No texto Influências do moral sobre o físico, Cabanis procura determinar a influência do cérebro sobre o resto do organismo, no quadro puramente fisiológico. O ideólogo francês partilha do otimismo naturalista e materialista do século XVIII, acreditando que a Natureza tem, em si, as condições necessárias e suficientes para o progresso e que só graças a ela nossas inclinações e nossa inteligência adquirem uma direção e um sentido.
Os ideólogos foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário, pois o julgava um liberal continuador dos ideais da Revolução Francesa. Enquanto Cônsul, Napoleão nomeou vários dos ideólogos como senadores ou tribunos. Todavia, logo se decepcionaram com Bonaparte, vendo nele o restaurador do Antigo Regime. Opõe-se às leis referentes à segurança do Estado e são por isso excluídos do Tribunado e sua Academia é fechada. Os decretos napoleônicos para a fundação da nova Universidade Francesa dão plenos poderes aos inimigos dos ideólogos, que passam, então, para o partido da oposição.
O sentido pejorativo dos termos “ideologia” e “ideólogos” veio de uma declaração de Napoleão que, num discurso ao Conselho de Estado em 1812, declarou: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história.” Com isto, Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos tinham de si mesmos: eles, que se consideravam materialistas, realistas e antimetafísicos, foram chamados de “tenebrosos metafísicos”, ignorantes do realismo político que adapta as leis ao coração humano e às lições da história.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
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